sexta-feira, 6 de novembro de 2009

HISTÓRIA DO ENSINO NORMAL

Um pouco de História..

No Brasil Colônia, a fundação de escolas superiores era um papo ainda distante. Ali, somente o Governo Central – no caso, a Metrópole – podia cogitar tamanha façanha. Até que os tempos passaram e nada mudou exatamente... No Brasil Império e na República, só a cidade do Rio de Janeiro dispunha de condições para erguer uma universidade e, ainda assim, com grandes dificuldades. Mesmo os presidentes das Províncias não podiam arcar com as iniciativas, que exigiam recursos humanos, financeiros e culturais.

Em educação, o máximo que uma Província podia almejar era a criação de uma Escola Normal, que tinha por objetivo formar professores para atuarem no magistério de ensino primário (atual Ensino Fundamental) e era oferecido em cursos públicos de nível secundário (Ensino Médio). Foi aí que, em 1835, fundou-se a primeira dessas escolas, em Niterói, seguida, em 1842, por outra na Bahia. A embrionária tendência, no entanto, foi coroada pelo fracasso do ensino brasileiro, cuja qualidade deixava muito a desejar. Neste momento, escolas de Ensino Normal pipocavam em toda a parte. Nasciam e morriam quase no mesmo dia.

Desde então, o processo de criação de Escolas Normais no Brasil esteve marcado por diversos movimentos de afirmação e de reformulação, mas, ainda assim, atravessou a República e chegou aos anos 1940/50 como instituição pública símbolo de qualidade e formadora dos quadros docentes para o ensino primário em todo o país.

Estão chegando as normalistas...


As Escolas Normais desempenharam um papel ímpar na História da Instrução Feminina no Brasil. Silenciosas, elas arrancaram as mulheres de seu claustro, instruindo-as e delas fazendo as primeiras professoras do Brasil. Diante do gênero, uma nova chance surgia. Agora, além de capacitadas, eram capazes de trabalhar fora, de educar os próprios filhos e de se realizarem profissionalmente. Pela primeira vez a figura feminina estava cotada para o grau médio, fato jamais acontecido no país, ainda mais de maneira oficial e sistemática.

Sendo assim, as Escolas Normais criadas no século XIX, sob uma trajetória incerta e atribulada, fizeram a ponte natural para o ingresso da mulher no Ensino Superior e, mais tarde, em todas as esferas de atividade. Antes disso, somente as moças de famílias abastadas recebiam alguma instrução via tutores particulares. A partir de 1870, porém, o Ensino Normal consolidava-se com as ideias liberais de democratização e obrigatoriedade de instrução primária, bem como de liberdade de ensino.

Foto da Escola Normal em Cordeiro
Década de 60


Vestidas de azul e branco

Sapatos de boneca, saia pregueada batida na parte superior do joelho, luvas brancas, blusa com emblema do Estado do Rio e abotoaduras, gravata borboleta. O uniforme de gala anunciava a chegada da mais franca inocência. Quem nunca se encantou com o charme de uma normalista? Vestida de “Anos Dourados”, a recatada donzela viria a alimentar com esperanças um país que perseguia a passos largos a utopia do “progresso”.

E os ventos sopravam a seu favor. Em plena década de 50, a cidade do Rio de Janeiro, ainda capital da República, afirmava sua identidade como polo da cultura nacional. O espírito otimista, democrata e empreendedor de Juscelino Kubitschek, o “Presidente Bossa Nova”, estava presente em cada sorriso a estampar a Educação para o futuro. Os tempos eram de desenvolvimentismo, de crescimento econômico acelerado e, sobretudo, de entrega à escola pública de qualidade como meio de democratização e ascensão social.

Seduzido por essa mística, o espaço físico do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (IERJ), fundado em 1932, na Tijuca, compunha a paisagem e a memória da cidade, com suas normalistas a povoar o imaginário popular por gerações a fio. A nobre função dessas missionárias do saber, filhas da classe abastada, mantinha-se em silêncio. Mas para todos os efeitos, a audácia era uma só: instruir com tradição a infância do país.

A construção deste ícone do romantismo progressista fez parte das manobras políticas “entre” regimes autoritários: o Estado Novo de Vargas e a ditadura militar implantada em 1964. A memória cristalizada que se edificou neste período funcionava como um verdadeiro oásis diante dos arbítrios experimentados no antes e no depois.

Durante os tais “Anos Dourados”, o auge para uma moça de família era ser normalista e se casar com um militar. A maquiagem deste sonho, porém, começou a ruir na medida em que se aproximava o dia em que a cidade perderia o status de capital da Nação.

Mas as razões para o declínio do curso de formação de professores do IERJ são mesmo atribuídas ao impacto negativo da reforma de ensino decretada pelo governo militar (Lei 5692/71), que conferindo ao curso uma feição profissionalizante, teria subtraído o glamour e a qualidade de ensino que caracterizavam a instituição. A promulgação desta lei coincidiu com a expansão da demanda por educação, em particular de nível superior, ligada às aspirações de ascensão social da classe média. Estes fatos teriam se refletido na queda de procura pelo Curso de Formação de professores oferecido pelas Escolas Normais, com evidente enfraquecimento dos critérios de seleção e da formação oferecida.



Um passo à frente

O Curso Normal, em função da própria legislação que ameaça invalidar sua existência, é hoje motivo para muita polêmica. Se, por um lado, seus algozes exigem o Diploma Superior como selo de qualidade profissional, por outro, o time de casa possui bons argumentos para não arredar o pé da Educação.

Segundo Benílson Sancho, diretor-adjunto e diretor de projetos da primeira Escola Normal da América Latina - o Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (IEPIC) -, a formação do educador não pode mesmo se esgotar no Ensino Médio, mas eliminar essa etapa inicial compromete a qualificação lá na frente.

“Nós estamos convencidos de que a formação do professor em nível superior é essencial, mas o Ensino Médio Normal é um primeiro degrau neste processo. O normalista começa a tecer a discussão pedagógica mais cedo e, quando chega à faculdade, possui um diferencial para já alçar um voo maior”, defende o diretor.

“Como dizia Paulo Freire, ‘nós somos educadores educandos’ e o bom profissional está em contínuo aprendizado. Mas é importante entender também que o aluno que cursa o Ensino Médio regular e ingressa diretamente na Pedagogia fica com a formação defasada”, completa.

Portas abertas para o mundo

A Escola Normal não só desenvolve o senso crítico e o posicionamento do aluno diante do grupo, mas a própria prática em sala de aula amplia o seu repertório de possibilidades. O normalista costuma falar em público com muita naturalidade, articulando bem os pensamentos, por um único motivo: a força do hábito.

“Nós tivemos uma estagiária aqui no IEPIC que veio do curso de Psicologia, e ela tremia feito uma vara. Nós tivemos que acalmá-la. No Ensino Normal, como começamos a praticar desde o 2º ano, adquirimos experiência com crianças, metemos mesmo a cara e ralamos para elaborar uma proposta pedagógica criativa. É lógico que, na primeira aula, vamos ficar nervosos. A gente treme, gagueja muito, sem falar que estamos na frente de 30 alunos e a professora no fundo da sala avaliando. Mas quando chegamos à faculdade tudo parece bastante natural. Hoje tem estágio, então “vambora”! Você já tem o costume”, explica a aluna do 2º ano, Alessandra Gonçalves.

Ao que consta da admissão nos Institutos de Educação, a demanda pelo Curso Normal existe. Bem como o seu diferencial: jovens que completam a formação de professores em nível médio apresentam consciência pedagógica, além de uma postura mais madura perante a vida e o mercado de trabalho. Neste ponto, parece mesmo que a prática de estágios, monitorias e seminários, além de uma grade curricular diferenciada, auxiliam bastante. Mas, afinal, como fica o Instituto formador de gerações críticas e transformadoras da realidade? A pergunta está em aberto.

Para Sancho, o caminho dessas tradicionais instituições que formam milhares de professores de Ensino Fundamental todo o ano precisa ser discutido em parceria.

“Existe hoje uma demanda enorme de alunos em busca dessa formação, mas docentes, alunos, comunidade escolar e poder público precisam sentar juntos para discutir e buscar uma saída. Qual é o nosso futuro? Essa reposta precisa ser construída coletivamente. A gente está precisando sentar para discutir e encontrar um caminho”, sugere o educador.

Silenciosas diferenças

A nova ordem imprime um mundo livre de preconceitos. Mas ainda assim, quando o assunto é gênero, o Ensino Fundamental pouco avançou. Sobretudo na rede privada, sob o viés tradicional, em que a figura da “tia” ainda impera no consciente coletivo:

“Se uma menina apresenta o seu currículo na escola ‘x’, em dois, três meses está trabalhando. Agora, se eu chego na mesma instituição, vão me olhar assim com uma cara do tipo “poxa, você é homem”. Vão até aceitar o meu currículo, mas retornar não. O preconceito da sociedade ainda é muito grande diante do professor homem em educação infantil”, avalia Sandro Portella, que este ano conclui o Ensino Normal no IEPIC.

Em contrapartida, hoje, a escola que ousa pensar a Educação de uma forma mais contemporânea não trabalha mais dessa forma. A nova instituição entende que a formação escolar é feita de base humanística e disso a linha pedagógica do Ensino Normal entende bem.

“Eu acho que o preconceito da sociedade vive de continuidades e rupturas. Por isso, ainda que em transformação, esse é num processo que não se findou e que não vai se findar agora. Experimentamos um momento de mudanças de paradigmas e precisamos pensar a Educação feita por seres humanos. Estamos à frente de um processo de luta para a construção de uma nova realidade”, completa o diretor-adjunto do Instituto.

Além dos muros da escola

Como qualquer instituição que experimenta o peso da tradição, a Escola Normal é alvo de críticas e de projetos de reforma. Os próprios normalistas, apesar de ferrenhos defensores do sistema, anseiam por transformações: a questão dos quatro anos de curso, o preconceito do mercado, a defasagem curricular para o vestibular etc. Tudo isso é uma realidade a ser considerada e discutida, mas não se pode ignorar que se trata de uma proposta diferenciada.

À frente desta grande revolução na Educação, a Diretora Geral do Colégio Estadual Júlia Kubitschek, Sheila Guimarães, entende que é necessário suavizar algumas diferenças entre os cursos Regular e Normal para que o seu aluno possua as mesmas oportunidades de ingresso no vestibular. Entretanto, a educadora sublinha a real missão do Ensino Médio Normal.

“O Normal é um curso que forma professores para atuar nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Nosso objetivo não é preparar para o vestibular, apesar de temos uma aprovação bastante boa nos exames, sobretudo nas áreas afins. A nossa proposta é preparar um professor”, explica a diretora.

Apesar de assumidamente Normal, os alunos que optam por um curso de formação de professores nem sempre têm essa consciência. Não têm, aliás, por uma série de questões... Uns ingressam no curso porque se imaginam num verdadeiro harém. Outras recebem o incentivo das mães ainda agarradas à tradição. Até o uniforme de gala causa furor e atrai a garotada! Sem contar que o nome do colégio pesa bastante na hora H. Bom, tem também aqueles que realmente sonham em se tornar educadores. E esses são os únicos que permanecem na jornada Normal até o fim.

“Tradicionalmente, a Escola Normal é referência em qualidade, sempre foi. Mas o jovem não sabe exatamente o que esta proposta de ensino significa. A própria terminologia Normal lhe é confusa. Normal para ele é normal. Ser normal. Não Normal sinônimo de formação de professores”, considera Sheila.

De acordo com a diretora, esta formação diferenciada é mais ampla e proporciona uma visão de mundo que o curso técnico não oferece. “O Ensino Médio Inovador apresenta um caminho que aproxima o estudante do mercado de trabalho, mas só o curso Normal lhe assegura uma base humanística e uma profissão. Em quatro anos, o aluno torna-se professor e está habilitado a lecionar”, conclui.

Enem: o grande trunfo de um normalista

O aluno de Escola Normal, muitas vezes, se sente em desvantagem com relação ao vestibulando do Ensino Médio regular, justamente pela lacuna que apresenta em disciplinas como Física e Química. A ideia é que o Novo Enem venha a reduzir essa diferença e que o normalista conquiste o seu espaço na disputada corrida por uma vaga no Ensino Superior.

“As disciplinas vão deixar de ser estanques, isoladas, vão deixar de priorizar informações muito técnicas para assumir uma visão mais geral, conectada à realidade. Aí, sem sombra de dúvida, o nosso aluno terá condições de competir de igual para igual. A exigência da Física, da Química e da Matemática não vai ser mais a fórmula, mas a leitura e interpretação de gráficos, tabelas, porcentagens e dos assuntos que estão em voga na mídia”, avalia Sheila.

O bonde do conhecimento

Para Elisabeth Cavalcanti, diretora-adjunta do C. E. Júlia Kubitschek, o grande desafio do professor hoje é pensar a Educação que provoque o aluno para a reflexão.

“Aquele planejamento de aula, que preparávamos para que o aluno concordasse com tudo, não tem mais sentido. O aluno atual possui outro padrão de comportamento: é muito falante e tem um poder mínimo de concentração em função das múltiplas tecnologias que o cercam. Ele consegue escutar música, estar na internet e fazer um trabalho sem grandes dificuldades. O verdadeiro desafio do educador é trabalhar com esse novo grupo que aí se aponta. As atividades propostas em sala de aula precisam ser ao mesmo tempo atraentes e instigantes. Não dá mais para exigir a mesmice que o aluno vai encontrar num ‘clic’ da internet”, destaca a diretora-adjunta.

Parece mesmo que a escola hoje precisa estar conectada ao mundo real e à sociedade do conhecimento. O apelo das novas mídias, a educação em rede e a facilidade de acesso 2.0 são tão expressivos que a escola não pode mais ficar de fora da tecnologia da informação.

“A escola tem que sair dos muros e tem que estar diretamente ligada, parceira dessas tecnologias. Senão vai ficar defasada, ficar de fora e perder o espaço. “Vai perder o bonde” como os alunos gostam de dizer”, brinca Sheila.



(FONTE: CONEXÃO PROFESSOR)

Um comentário:

  1. “Nós estamos convencidos de que a formação do professor em nível superior é essencial, mas o Ensino Médio Normal é um primeiro degrau neste processo. O normalista começa a tecer a discussão pedagógica mais cedo e, quando chega à faculdade, possui um diferencial para já alçar um voo maior”

    Não há o que discutir, o ensino médio normal não pode ser descartado quando se fala em crianças. Só o ensino normal superior não prepara os professores para educarem crianças utilizando todas as habilidades e competências necessárias.

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